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domingo, 5 de agosto de 2007

Diamantino Pereira : Paisagens, lugares e espaços: a Geografia no Ensino Básico.

­­Paisagens, Lugares e Espaços:
A Geografia no Ensino Básico


Diamantino Pereira



A alfabetização e a Geografia
O ensino básico caracteriza-se, fundamentalmente, pelo processo de alfabetização. Nas diversas disciplinas que compõem a grade curricular, colocam-se princípios e se estabelecem linguagens dos mais variados tipos que serão absorvidas pelos alunos como ferramentas de comunicação e de entendimento do mundo.

Na disciplina Comunicação e Expressão, por exemplo, o aluno é alfabetizado do ponto de vista da escrita, da leitura e da expressão oral. A partir daí e cumulativamente, uma série de símbolos e regras que anteriormente não faziam o menor sentido, passam a compor um universo de signos e passam a integrar o universo do estudante. No caso da matemática a mesma coisa acontece com os números e suas operações: o aluno adquire progressivamente uma nova linguagem, torna-se capaz de se expressar através dela e desenvolve os fundamentos do raciocínio lógico.

Qual a contribuição da geografia no processo de alfabetização da criança? Que contribuição específica essa disciplina pode acrescentar ao processo de aprendizagem pelo qual passa o aluno?

A alfabetização, para a geografia, somente pode significar que existe a possibilidade do espaço geográfico ser lido e, consequentemente, entendido. Pode transformar-se, portanto, a partir disso, em instrumento concreto do conhecimento, em uma janela a mais para possibilitar o desvendamento da realidade pelo aluno.

Alfabetização Geográfica
Eu olho para uma paisagem e o que vejo? Simples elementos construídos social e/ou naturalmente? Não, as paisagens são as formas de um processo, são a aparência. Mas nós não falamos sempre que o que importa não é a aparência e sim a essência? Não a forma, mas o conteúdo?

Triste caminho da reflexão baseada na caricatura da ilusão de que uma coisa pudesse existir sem a outra. Mas a aparência é manifestação concreta da essência, assim como a forma o é do conteúdo.

O que tudo isso tem a ver com a paisagem e a Geografia? Como já afirmamos, a paisagem é a forma e a Geografia tem como método de análise partir, justamente, da paisagem, ou seja, da forma dos fenômenos. Notem que eu falei “partir” e não ficar estacionado na paisagem.

Como eu posso partir de uma paisagem para analisar geograficamente uma realidade? Dando sentido para os elementos que nela estão contidos. O quer dizer isso concretamente? Quer dizer que temos que entender o conteúdo para podermos entender a forma e também admitir que ela, uma vez constituída, influencia tanto na própria forma, quanto no conteúdo.

Quando observamos uma paisagem, começamos por identificar suas formas e seus componentes: o meio físico constituído pelas edificações, ruas, estradas, viadutos, rios, montanhas, vegetação, meios de transporte e deslocamento, as pessoas, suas vestimentas, seus procedimentos etc. Todas essas identificações podem ser representadas na forma de uma descrição, uma representação gráfica ou cartográfica. Independentemente dessas modalidades, entramos em contato com a forma que uma dada realidade assume para que possa existir: a sua espacialidade manifestada nas formas da paisagem.

Para dar prosseguimento à análise geográfica, precisamos dar sentido para as formas paisagísticas que observamos, ou seja, por que as coisas estão dispostas daquela maneira e naquele lugar. Por que, por exemplo, num primeiro momento, eu posso ter uma paisagem urbana constituída fundamentalmente por residências, pela igreja e pela sede do poder político e militar, rodeados por campos agrícolas? Por que, em outro momento e/ou lugar aparece a fábrica no centro da área urbana já expandida? Por que, a seguir, as áreas centrais das cidades libertam-se da presença das fábricas que passam a se localizar em áreas mais periféricas?

As paisagens vão se modificando, na medida em que se altera a dinâmica que as produz, ou seja, a sociedade, se modifica e, com isso, modifica suas paisagens, que são, então, a forma do novo conteúdo. A grande tentação é explicar tudo como se fosse uma história, como se fosse um desenrolar de fatos transcorrendo no tempo. Mas os fatos, ao acorrerem, constroem seu espaço e é por isso que, ao mudarem os fatos, muda também o seu espaço. Aqui temos a análise geográfica: em qualquer tempo, em qualquer lugar, em qualquer escala, sempre que estiver analisando a distribuição territorial dos fenômenos e, portanto, como eles se organizam, pois isso não se dá de maneira aleatória.

Alfabetizar geograficamente é, pois, dar sentido a essa espacialidade dos fenômenos. Mas, como estamos nos referindo a um processo de ensino-aprendizagem, é preciso que nos referenciemos pedagogicamente para podermos construir, passo a passo, essa noção e esse instrumento de análise com o nosso aluno. Antes de tecer algumas considerações a respeito de algumas possibilidades de trabalhar com a noção de alfabetização geográfica, especificamente nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, aprofundarei um pouco mais a discussão a respeito da análise geográfica.


A análise geográfica
A realidade é uma totalidade. Quando se observa a realidade de forma disciplinar, ou seja, a partir dos diversos ramos em que o conhecimento científico se dividiu, devemos ter claro que a fragmentação é produto de nosso olhar e não da própria realidade.

Portanto, não existe um fenômeno que seja geográfico, histórico, econômico, etc., em si ou por suas próprias características. “Não cremos, pois, que seja indispensável continuar buscando a definição de um objeto com existência separada, isto é, uma existência geográfica, um objeto geográfico em si. A partir do entendimento que tivermos do que deve ser o objeto da disciplina geográfica, ficamos em condições de tratar geograficamente, os objetos encontrados.” (Santos, 1996: 63). O que pode ser geográfico etc. é a leitura que fizermos do fenômeno que estamos analisando, ou seja, o tipo de abordagem que nos propomos fazer. A leitura ou abordagem, por mais representativa e próxima do real que seja, não é o fenômeno: é apenas a sua leitura.

O objeto de cada ciência ou disciplina é exatamente o mesmo, ou seja, a realidade que pode ser observada por diferentes olhares. Se a diferença não está, pois, no objeto, está na ação do sujeito que observa essa realidade. Assim, a caracterização de cada um desses ramos em que se dividiu a ciência, está ligada ao tipo de dúvida ou do que o sujeito quer desvendar dentro daquela totalidade que é a realidade.

O objeto da Geografia, assim como das demais ciências, é tudo o que quisermos que seja analisado pelo viés de cada ciência. Essa discussão a respeito do papel da Geografia é levantada também por M. Foucher em seu artigo "Ensinar Geografia apesar de tudo". Nele, o autor afirma que "é importante entender que hoje, as práticas espaciais, isto é, os gestos, os atos, as trocas de nossa vida social, para serem executadas, desenrolam-se em lugares específicos e não se limitam ao que é imediatamente visível. Saber responder à pergunta: Aonde? É o mesmo que incluí-lo numa classe social, num grupo numa nação, por meio do bairro, do local de trabalho e das práticas espaciais mais banais." O autor entende, portanto, o conceito de localização não restrito à concepção de lugar geométrico ou territorial.

Isso amplia o sentido dado ao termo localização, que implica normalmente em saber o posicionamento no território, com base em algum sistema de referência que pode ser, por exemplo, algum ponto da rosa-dos-ventos ou, mesmo, o ponto de interseção entre um determinado paralelo e um meridiano, ou seja, as famosas coordenadas geográficas.

Na Geografia, que tem como tarefa o desvendamento da espacialidade dos fenômenos, saber em que lugar as coisas estão localizadas deve ser considerado apenas o ponto de partida ao qual devem se agregar mais alguns aspectos.



A produção do espaço
Possivelmente a concepção de espaço mais popular e que faz parte do senso comum seja a sua caracterização como substrato físico da vida social, ou seja, o espaço como uma superfície onde transcorre a história. Isso leva diretamente para a descrição física da Terra, a popular geografia física que daria conta de estudar essa superfície.

Afirmar, porém, que o espaço é manifestamente físico, não tem o sentido daquilo que é tradicionalmente entendido como geografia física, ou seja, a natureza intocada pela sociedade. O aspecto físico é, na verdade, a fisicidade dos fenômenos, a sua materialidade, que se manifesta nas estradas, pontes, prédios, campos, rios, montanhas, cidades, enfim, o ambiente, o lugar. E o lugar, por mais físico que possa parecer, é uma construção social nas mais diferentes escalas em que isso possa ser afirmado.

Para entender o processo dessa maneira, devemos perceber que a sociedade é um dos elementos componentes da natureza, apesar de ser diferente de muitas outras coisas presentes nessa própria natureza. Assim, a sociedade, como um componente da natureza, na medida de sua própria existência, apresenta-se como formas espaciais.

Essas formas, na medida em que são caracterizadas pela diversidade e pela unidade, nos levam à noção de distribuição e, daí, à de localização, mas como logo percebemos que os fenômenos não se distribuem e localizam aleatoriamente, precisamos utilizar a noção de organização (Moreira, 1997: 1-11). A noção de espaço geográfico está ancorada no cruzamento dessas três noções, ou seja, que os fenômenos, em sua fisicidade, distribuem-se pelo universo, devem ser localizados e adquirem sentido na medida em que são tidos como produto de uma determinada organização da sociedade entendida como um dos elementos da natureza.

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