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segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Espaços migratórios e problemática ambiental no Mercosul

Espaços migratórios e
problemática
ambiental no Mercosul

José Marcos Pinto da Cunha*
Sylvain Souchaud**
Rosana Baeninger*
Roberto Luiz do Carmo*


* Professores do IFCH/Unicamp e Pesquisadores do Nepo/Unicamp.
** Pesquisador do IRD-França.

O projeto “Espaços migratórios e problemática
ambiental no Mercosul” é de
cooperação Brasil-França, entre o CNPq e o
Institut de Recherche pour le Développement
(IRD), desenvolvido pelo Núcleo de Estudos
de População (Nepo) da Unicamp e o
Laboratoire Population Environnement
Développement (LPED-IRD). Trata-se do
estudo das migrações entre o Brasil e os
países vizinhos do Mercosul, com destaque
para Bolívia, Paraguai e Argentina. O objetivo
é evidenciar situações diferenciadas e
complexas entre esses países e fomentar a
comparação dos diferentes espaços migratórios,
que estruturam partes da dinâmica
socioespacial da região, possibilitando a melhor
compreensão de um fenômeno que vem
ganhando importância nos últimos 20 anos.
Nesse contexto, consideram-se as
dinâmicas espaciais das migrações, sua
formação e evolução vis-à-vis as mudanças
territoriais e ambientais que se observam
no contexto da integração regional e mundial.
Atenção privilegiada é dada às regiões
de fronteiras entre os países, baseando-se
na hipótese de que essas áreas articulam
várias formas migratórias e são, portanto,
laboratórios tanto da própria diversidade
dos espaços migratórios como das modificações
nas dinâmicas de organização do
espaço que ocorrem no subcontinente.
A partir daí privilegiam-se na análise:
• a descrição da estruturação das migrações
nos lugares de saída, de
chegada e de trânsito, cujas relações,
estabelecidas entre esses lugares
pelos próprios migrantes, são constituintes
da conformação de espaços
migratórios reveladores de algumas
transformações territoriais, tais como
formação de novos eixos de circulação,
integração de novos espaços e,
ao mesmo tempo, concentração em
alguns deles e organizados em
“arquipélagos”;
• o estudo dos impactos ambientais e
migração, bem como suas percepções
nas populações locais;
• a organização social dos migrantes,
de maneira individual ou coletiva,
suas trajetórias e estratégias a partir
da identificação de percursos migratórios,
redes de relações sociais, evolução
e reprodução de uma geração
para outra.
Primeiros resultados
Dada a variedade das migrações e espaços
abrangidos pela proposta inicial, as
primeiras análises (dados secundários
censitários cartografados e visitas a campo)
permitiram associar certas temáticas a
estudos mais pontuais, por um lado, e estreitar
as hipóteses, por outro.
Em um primeiro momento, até 2008, as
análises estarão focalizadas nos intercâmbios
migratórios entre Brasil, Paraguai
e Bolívia, a partir da zona que se estende
no Mato Grosso do Sul, Chaco paraguaio e
extremo oriente da Bolívia. Este espaço
interior articula diferentes correntes migratórias
que assumem formas diversas quanto
a duração, alcance e intensidade.
Este espaço migratório deu lugar a uma
proposta de tipologia preliminar, que conta
com quatro modalidades de migração: a
fronteiriça de vizinhança recíproca; a fronteiriça
unilateral; a urbana diversificada; e
a metropolitana exclusiva. Desse modo, um
conjunto de elementos sociais e espaciais
permite identificações e comparações.
Com efeito, no que se refere às migrações
bolivianas e paraguaias no Brasil, os
volumes parecem ser comparáveis. Contudo,
a distribuição no espaço é nitidamente
distinta e observa-se uma dispersão maior
da comunidade boliviana em relação à paraguaia.
As hipóteses que são exploradas
para explicar essa diferença consideram,
por exemplo, a antigüidade da migração, o
fator de estruturação e a diversificação das
redes migratórias. Além disso, verifica-se,
nesses dois casos, uma diminuição da migração
transfronteiriça, ou, pelo menos, uma
concentração mais forte em alguns lugares
caracterizados por sua forte acessibilidade,
no caso as cidades de fronteira.
Ao mesmo tempo, têm-se algumas indicações
que levam a pensar que os lugares
de origem dos migrantes evoluem, sendo
mais distantes geograficamente da fronteira.
Desenvolvendo este elemento, a fronteira
parece assumir, cada vez mais, o papel de
espaço de trânsito, de intermediário, em
circuitos migratórios mais amplos que unem
pólos urbanos distantes, os quais a priori
tecem poucos laços com os espaços de
fronteiras.
Em conseqüência, a fronteira articularia,
cada vez menos, as migrações de curto
alcance (transfronteiriças). Nesse sentido,
alguns focos da fronteira seriam mais
integrados nas dinâmicas espaciais com
maior abrangência do subcontinente; ou seja,
a fronteira organiza migrações principalmente
no caso do movimento com destino
às grandes cidades ou metrópoles. As
cidades de fronteira integram de maneira
crescente os projetos migratórios, embora
a zona de fronteira em seu conjunto (rural e
urbano) o faça cada vez menos. São essas
evoluções hipotéticas que tentamos descrever
e analisar. Os mecanismos condicionantes
podem ser vários, desde políticas
migratórias até a organização de territórios
e a circulação dentro deles.
Evidentemente, os espaços de trânsito
emergentes nas fronteiras, que aparecem
e se deslocam segundo oportunidades e,
sobretudo, restrições à circulação dos
migrantes internacionais, têm vocação a se
tornarem espaços de chegada, para uma
parte dos migrantes cujo projeto não se
concretizou. Por exemplo, alguns migrantes
bolivianos instalam-se em Corumbá provisoriamente
à espera de uma oportunidade
de passagem até São Paulo, e, eventualmente,
adiam várias vezes a “re-emigração”
até se instalarem de forma prolongada em
Corumbá. Note-se que Corumbá oferece
aos migrantes bolivianos um estatuto
privilegiado, que favorece melhor inserção
profissional e acesso a sistemas de saúde
e educação. Mas, passados os limites da
cidade, um controle drástico aparece. Então,
Corumbá é, ao mesmo tempo, um lugar de
trânsito, de refugio e de permanência.
Busca-se, portanto, identificar e analisar
essas diferentes formas de migração e
inserção no espaço (na cidade e no território
nacional), associando-as às estratégias
migratórias que favorecem a adaptação. As
estratégias migratórias estabelecem-se em
nível da formação e utilização de redes relacionais
e de tipos de deslocamentos entre
diferentes pontos do espaço migratório
(circulação, vai-e-vem, residência-base,
duração, freqüência).
A análise da migração brasileira, tanto
no Paraguai como na Bolívia, permite
colocar a questão ambiental no centro do
estudo. Nos casos anteriormente evocados,
a questão ambiental emerge não como
preponderante, mas sim contextualmente
e/ou como epifenômeno. Assim, os migrantes
bolivianos e paraguaios não se
assemelham à categoria de “refugiados do
ambiente”, uma das principais categorias
que integram os estudos migração-ambiente.
Por outro lado, os estoques de
migrantes não são em número suficiente e
tampouco assumem características específicas
para que a eles se possa atribuir um
impacto ambiental relevante. Principalmente
urbanos, são poucos e não modificam de
forma fundamental a dinâmica urbana.
Quando são rurais (poucos casos) no local
de destino, integram-se em atividades já
existentes, como mão-de-obra, e não se
pode razoavelmente estudar seus impactos
ambientais (por exemplo, as conseqüências
nos ecossistemas da implantação de
sistemas produtivos).
A situação é diferente para os migrantes
brasileiros que se implantam em ecossistemas
frágeis e/ou com pouco antrópico,
trazendo consigo sistemas produtivos queos modificam profundamente. Esse é o caso
da monocultura intensiva da soja, no oriente
do Paraguai ou na região de Santa Cruz de
la Sierra (Bolívia oriental), ou ainda na criação
semi-intensiva de gado nas reservas
ecológicas do Chaco paraguaio. A imigração
brasileira no Chaco paraguaio é ainda
muito pouco conhecida em comparação
àquela no oriente. Assim, torna-se importante
pesquisar os impactos ambientais da
migração brasileira sobre a organização
das numerosas comunidades indígenas
existentes no Chaco, atividade esta que será
realizada com uma equipe de pesquisadores
paraguaios. Uma das orientações é
estudar como e com quais conseqüências
o discurso sobre espoliação e reivindicação
do direito à terra substituiu aquele referente
à preservação ambiental.
O projeto, que começou em setembro
de 2005 e terá duração de quatro anos, envolve
demógrafos, antropólogos e geógrafos
do Nepo e do LPED, contando, também, com
apoio obtido através de convênios da
“Asociación de Estúdios de población”
(ADEPO) do Paraguai e do “Centro de
Estúdios Avanzados” (CEA) da Universidade
Nacional de Córdoba. Com isso, promovese
uma cooperação regional sobre assuntos
de interesse comum, como é a migração
internacional. O material de pesquisa será
proporcionado, principalmente, por trabalhos
de campo, levantamentos domiciliares e
entrevistas em profundidade, a serem realizados
nos diversos espaços, – rurais ou
urbanos – mencionados anteriormente.

Recebido para publicação em 26/05/2006.
Aceito para publicação em 09/06/2006.

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